quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

Moinho transformado em habitação

Fonte: O Primeiro de Janeiro
A contaminação do rio Tinto fez mudar velhos hábitos da população e levou à desactivação de moinhos movidos a água. Uma das estruturas que ainda resta serve de habitação a duas famílias que, para fazerem entrar os móveis, tiveram de tirar as mós.
“A fábrica tinha oito rodas, quatro aqui e quatro mais à frente. Do outro lado do rio havia mais três e para baixo mais uns quantos moinhos havia”. A história contada por António Ribeiro, com 76 anos vividos diariamente junto à ponte Levada, por cima do rio Tinto, serve para recuar ao tempo em que não se falava na poluição deste curso de água e em que vários moradores viviam do trabalho produzido no moinho. Hoje tudo é diferente, até mesmo o destino dado às azenhas, moinhos movidos a água, que ainda restam. A maioria está votada ao abandono e a fábrica referida por António Ribeiro serve agora de habitação. No andar de cima mora o septuagenário e em baixo, onde antes estavam as mós, vive a família de Júlia Barros.
Quem fica à porta da casa depressa conclui que do moinho pouco resta. “Tive de tirar tudo e deitar ao lixo para fazer a casa de banho”, explicou a moradora ao JANEIRO, referindo-se às rodas por onde a farinha passava para ser moída. Da estrutura inicial restam ao nível da água os penados, troncos largos que faziam rodar a mó, e a fachada lateral em pedra, virada para o rio, que terá pelo menos 200 anos. As obras feitas pelos inquilinos foram de grande monta, mas ainda assim fica a faltar a ligação ao saneamento básico.

A lacuna é notória a quem olha para o rio, mas o morador António Ribeiro protesta sempre que se aponta o moinho onde habita, transformado em habitação, como uma das principais fontes poluidoras. “O pior não são as necessidades da casa de banho, mas os detergentes e as lixívias que se deitam por aí abaixo”, comenta numa das margens, de olhos postos para o quintal onde planta verduras. A água que serve para regar esta área vem de um furo construído pelo morador a partir de uma nascente e simultaneamente do rio Tinto.
Ainda assim, António Ribeiro reconhece que as águas não deviam ser aproveitadas para consumo doméstico. “Se nem os bichos a querem, é porque alguma coisa vai mal”, refere ao mesmo tempo que olha com saudosismo para a água que corre. Júlia Barros, a morar no moinho há 47 anos, lembra-se do tempo em que a filha tomava banho à porta de casa, mesmo em frente a uma queda de água que resistiu aos tempos e que faz com que, em parte, a paisagem se assemelhe a algo paradisíaco. “Até bebia a água daqui. Era levezinha ao estômago, mas quando senti diferença no paladar deixei de beber”, conta. Agora os hábitos são outros, nomeadamente o de fechar as janelas sempre que o mau cheiro empesta o ar.
Na memória dos populares está ainda a azáfama vivida nos moinhos. António Ribeiro era cortador de pedra e, no final do dia, moía farinha para ganhar mais algum. “Se o trabalho dava para o dinheiro? Tinha de dar, porque um escudo valia muito”, responde numa visita guiada que fez ao JANEIRO pelas ruínas de outras azenhas próximas da sua casa. Entristecido com o abandono das estruturas, aponta para o lixo acumulado e encolhe os ombros quando vê vestígios da existência de toxicodependentes nestes lugares. O objectivo já abordado por autarcas é recuperar a zona e sediar nos moinhos um Centro de Interpretação Ambiental.

1 comentário:

danifer49 disse...

Sou conhecedor desta habitação e de toda a sua envolvente. Há vários anos atrás, vim morar , aqui para a zona da igreja, como tinha um familiar a morar na zona da "Ponte", várias foram as vezes que fiz este trajecto para baixo e para cima, pela beira do rio. Creio que na altura o moinho, já não cumpria a verdadeira função para que foi destinado, no entanto ao passar, não deixava de admirar, a queda de água,bem como a levada que introduzia a água no dito moinho e era vê-la depois a sair em baixo.Com a alteração ao leito do rio foi suprimida a levada, bem como um lavadouro público, que existia um pouco mais a baixo do referido moinho. Tudo isto são sinais dos tempos embora reconheça que esta envolvente ao moinho, outrora de grande beleza, está hoje votada ao abandono e muito menos atractiva.